Cinema representa o Brasil no concurso Urso de Ouro nesta 70ª edição!
Todos vocês Mortos, dirigidos por Marco Dutra e Caetano Gotardo, estreiam neste fim de semana na Berlinale 2020. Ainda sem data no Brasil, o filme aborda temas como escravidão e racismo e encontra um forte peso histórico e cultural. Leia nossa crítica aqui.
- Aproveitando a visita dos criadores para promover o filme pela primeira vez em Berlim.
- O AdoroCinema conversou com a dupla de filmes sobre a mensagem que tinham e a associação de anos que levaram ao filme juntos.
AC: All the Dead é a comunhão de sua parceria de longa data, você pode me dizer mais sobre a origem da ideia do filme?
Dutra: Somos amigos desde que ingressaram no TCE-USP em 1999 com Juliana Rojas, desde então nos deparamos com muitos projetos, de curta a longo, como As Boas Maneiras, menos em codireção. ideia de fazer algo juntos. Então, um dia, comecei a escrever essa história que, em termos de formato, tinha algo do universo de classe média/doméstica que eu já gostava de explorar em outros filmes, exceto que eu tinha o roteiro de época. Eu queria entender um pouco a origem. Logo compartilhei com Caetano e me dei várias ideias, estamos desenvolvendo tudo junto desde o início do projeto, em 2012.
Foi um pouco imediato. Quando marco teve a ideia, eu já respondi com ideias que ele gostava também, e ele fez. Ele não tinha um “vamos dirigir juntos?” Foi muito natural, já era algo dos dois, acho que tem algo que é: o que construímos em 21 anos de amizade, tanto convivendo, assistindo tantos filmes e falando tanto sobre isso, desenvolvemos um tipo de harmonia que é o resultado de tudo isso. Há muitas coisas que entendemos sem falar. Por exemplo, o tema de dirigir juntos. Isso se estende por todo o projeto, é uma comunhão. Não há divisão de quem fez o que na direção ou no roteiro.
Dutra: Durante esses 8 anos, muitas das ideias do filme são ideias que surgiram à medida que nos aprofundamos em suas camadas históricas e sociais. O filme que existe hoje é muito diferente da primeira ideia que tivemos; a sinopse é a mesma, mas com experiência foi muito nutrida pelos parceiros que nos ajudaram.
AC: Quais são as suas expectativas para o lançamento deste filme no Brasil, dadas todas as mudanças políticas que ocorreram desde 2012, quando o projeto começou?
Gotardo: O que vem acontecendo no Brasil há algum tempo, e que também foi fundamental no processo deste filme, é que várias discussões sobre raça, classe e sexo ganharam presença no cotidiano de pessoas com muito mais complexidade, Muito mais camadas e teorias um pouco antigas sobre a chamada democracia racial têm sido questionadas e desconstruídas. Muitas cenas de ator foram derrotadas e, no campo do cinema, muitos cineastas negros fazem mais filmes. Tudo isso ampliou o foco em várias questões e se tornou mais presente. Tudo bem, nos alimentou muito no processo. Estamos pensando em muitos pontos. Estamos muito ansiosos para saber que tipo de conversa o filme vai gerar no Brasil. Da exposição aqui na Berlinale, Todos os Mortos já existem no mundo; e há conversas, perguntas e reinterpretações.
Dutra: Existe uma lógica sobre o gênero do tempo, que é a forma como as coisas são representadas, como as pessoas falam, como se vestem, como a história é retratada, se se relaciona mais com a nostalgia ou se é para desconstruir algo. . . Estamos aqui com um filme de época para não fazer uma reconstrução física e milimétrica do passado, sem julgar esse tipo de filme. Mas sabíamos que estávamos indo nessa direção por uma razão contemporânea.
AC: Ainda não é possível saber o que o público de Todos os Mortos vai pensar, mas o que você acha que o filme trará em termos de reflexão?
Gotardo: É um filme cheio de perguntas e dúvidas, muito mais do que respostas. Nossos filmes tendem a ser assim, com perguntas e não certezas. É um filme que tenta olhar para coisas que ainda não foram resolvidas. Sobre personagens que não têm terreno firme sob seus pés. Eles tentam de formas diferentes se encontrar em uma sociedade, ao mesmo tempo, em uma cidade também em constante reconstrução. Não estamos dizendo nada, então queremos que os temas na tela tragam diálogo e reflexão. Estamos em um momento de simplificação de certas questões por simples oposição, como se houvesse apenas um lado ou outro em relação a tudo. Todos os Mortos estão trabalhando duro para lidar com o que está no meio. Claro, são oposições e contrastes, mas estão cheios de contradições, sem tentar atenuá-las. Não é um filme que busca relativismo absoluto, nada é apaziguado. As coisas estão difíceis. O filme pode criar um tipo de discussão que se baseia em complexidades no sentido de focar não apenas nos dois polos opostos, mas em quanto há entre eles.