Conversamos com o diretor sobre seu novo documentário selecionado para panorama.
Nardjes A. foi selecionado para a exibição panorama no 70º Festival de Berlim. A peça retrata os jovens Nardjes como protagonistas de uma situação real que vem ocorrendo desde fevereiro de 2019: as manifestações semanais na Argélia contra o atual governo.
- Descendente de argelinos.
- O diretor Karim A-nouz (A Vida Invisível) assina este trabalho.
- Que tem muito a ver com sua visão pessoal da questão política no país – e que também diz respeito ao Brasil.
- Falamos com o diretor da Nardjes A.
- Durante sua visita à Berlinale.
AC: Você diria que este filme tem uma abordagem mais pessoal ou profissional de sua parte?
Ainouz: Além de contar a história desse personagem, do que está acontecendo, o filme reflete um pouco meu charme com esse novo mundo que encontrei na Argélia, acho que tem algo que o cinema tem de sobra: um poder que você não pode controlar. Há um certo prazer em ter encontrado essas pessoas, este lugar, este ferver; então eu acho que há algo muito pessoal sobre o DNA do filme. Ele também é um cachorrinho de um documentário que eu também fiz na Argélia. Ao contrário deste, que ainda está em fase de montagem, Nardjes A. não é autobiográfico, mas acho que tem o charme da descoberta.
AC: E já que você gosta do documentário, você vai seguir esse caminho?
Ainouz: Na verdade, não há muita distinção, é claro que documentário é diferente de ficção, mas o que eu gosto mesmo são os personagens. Estou muito interessado neste desenvolvimento da narrativa. Eurydice (de The Invisible Life) é tão real quanto Nardjes A. , por exemplo, e ambos os filmes são sobre problemas reais que estão acontecendo agora. Aproveitando o fato de estarmos na Alemanha, na semana passada houve o assassinato de 10 pessoas perpetradas por um racista no sul do país. E o engraçado é que parecemos saber mais sobre o assassino do que sobre as vítimas. Isso é uma loucura para mim. É muito importante falarmos sobre quem saiu, quem são essas pessoas. Então Nardjes A. vem muito do meu descontentamento que a mídia hegemônica não é capaz de fazer hoje: é o fato de contar histórias de pessoas que resistem, que sofrem e que reagem a algo negativo. Olhe para este local de resistência e veja Nardjes como uma espécie de farol. O documentário se assemelha muito a essa possibilidade de lançar luz sobre os problemas que existem no plano reverso em que vivemos.
AC: Como começou sua aproximação com Nardjes?
Anouz: Os protestos na Argélia começaram em 22 de fevereiro de 2019. Disseram-me para não ir porque seria perigoso. Mas desde o início, tudo foi planejado para ser pacífico. Na verdade, o regime tentou nas primeiras semanas criar algum tipo de conflito. Eles tiraram as pessoas da cadeia para atirar pedras, criar confusão. . . Em uma dessas manifestações, fiquei muito assustada e me senti muito triste no final do dia, porque queria estar lá para ver as pessoas e vivê-la, não filmar tudo à distância. Comecei a pensar em uma história, um personagem. Pedi ajuda a uma amiga que trabalha com o elenco, mas pedindo que encontrásíssíssísas fosse ela mesma, não para interpretar alguém que não é. Quando conheci Nardjes, foi dois dias antes das filmagens começarem. Intuitivamente, pensei que havia alguém aqui que poderia usar um filme como este. Ela encarna a história da Argélia de forma revolucionária. Sua carreira, assim como a de sua família, foi a história deste país.
AC: Como você acha que o documentário se conecta com a realidade atual no Brasil?
Anouz: Eu fiz muito desse filme por causa da frustração de não sair nas ruas do Brasil, todos os dias somos insultados por um governo que, embora democraticamente eleito, é uma aberração, entendo por que não saímos na rua: nós Nardjes A. começou a filmar dois meses após a posse do presidente, ele precisava encontrar uma luz em algum lugar, que não estava no Brasil na época, vamos começar gradualmente a reagir, porque o que está acontecendo é muito sério. . Mas acredito que o filme dialoga em contraste, nesse sentido, ver um povo muito consciente do que é ser um cidadão, e um país que mudou muito para ser independente. Eu fiz esse filme porque foi ambientado no Brasil, mas, quem sabe, pode não inspirá-lo a ser.