Crítica do AdoroCinema para o mês que terminou: um convite para desentendimento

Há uma diferença, muitas vezes negligenciada, entre discutir o resultado final de um filme pelo que é e debater o que poderia ter sido. No caso do Mês que ainda não terminou, a tendência de muitos será analisá-lo mais por ausências do que, de fato, foi apresentado; na verdade, ao se passar por um liberal de esquerda, o cineasta Francisco Bosco acaba tocando a ferida de ambos os lados, o que pode ser interpretado como uma tentativa de agradar a todos, ou de entrar no infame “on the fence”. No entanto, o aspecto mais notável do trabalho de Bosco é o convite para discordância. Em seu discurso e não em sua direção cinematográfica, o escritor parece ver em seu documentário uma tentativa de falar em mais do que meras palavras.

A abordagem de Bosco é desconfortável, mas necessária, devemos ver nossas crenças desafiadas por argumentos tão bem fundamentados e unidos, especialmente em momentos em que invalidar radicalmente uma opinião oposta é a maneira mais fácil?E seja claro: o pensamento baseado em argumentos é bem diferente do pensamento direto. Em sua ânsia de dialogar, em vez de se contentar em se comunicar apenas com seus pares, o mês que não terminou certamente se torna um alvo em uma posição vulnerável a ser atacado em todos os lugares. O filme, no entanto, não é ingênuo em acreditar que seria diferente. Bosco demonstra um nível impressionante de controle sobre seu perfil político, desafiando o espectador a se opor a ele.

  • Em referência a junho de 2013.
  • Quando protestos populares invadiram os centros urbanos brasileiros.
  • O documentário discute os desdobramentos e consequências de episódios recentes da política nacional.
  • Como o julgamento político de Dilma Rousseff.
  • A Operação Lava Jato.
  • A crise da cultura portuguesa e a eleição de Jair Bolsonaro.
  • Ansioso para não apontar o dedo ou determinar uma situação específica como responsável pelo momento presente.
  • Bosco reúne um eloquente painel de entrevistados para costurar a narrativa.
  • Tudo interligado por obras do artista visual Raúl Mouro.

O mais notável é a ênfase na narração fora da tela de Fernanda Torres, geralmente associada ao didaísmo, aqui de uma forma aparada porque é inserida quase constantemente, Torres praticamente se torna um personagem, tal é sua expressividade na leitura do texto. É claro que a ideia não é tratar o off como um recurso complementar discreto, mas torná-lo um dos aspectos mais importantes da funcionalidade. Essa escolha, sendo uma obra audiovisual, levanta questões sobre as limitações de Bosco como cineasta. Algum tipo de muleta para alguém reconhecido como um excelente escritor?

Com um conjunto de imagens já expressivas, o documentário continua a ser feito o trabalho de organizá-las. A montagem, correta e linear, ganha força principalmente graças à fluidez com que passa de um entrevistado para outro sem parecer reduzir diante de problemas tão complexos. Momentos de respiração passam por segmentos com as artes de Mouro, que nos colocam de forma contemplativa e pensativa sobre as informações compartilhadas anteriormente, mantendo assim o equilíbrio da narrativa.

O mês que não acabou é um filme para revisar, interrogar, debater e dissecar, que nossos ideais políticos não nos cegam ao ponto de não vermos a diferença entre isenção e diálogo.

Filme visto no 52º Festival de Brasília em novembro de 2019.

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