AdoroCinema para soldados de borracha: fazer patriotismo

Qual é o elemento mais importante para ganhar uma guerra?Armas, homens treinados, estratégias avançadas? Para uma pessoa entrevistada neste documentário, a resposta é borracha. Este produto, que os americanos não tinham durante a Segunda Guerra Mundial para a fabricação de pneus, levou o governo dos EUA a oferecer enormes benefícios econômicos a Getlio Vargas, desde que exportasse uma quantidade significativa de borracha. Assim nasceram os “soldados da borracha”, cinquenta mil homens enviados para o norte do país para extrair látex das borrachas, esses homens partiram armados com amor à pátria e contratos que prometiam dinheiro, pensões para a família e tratamento especial. durante a viagem.

O filme dirigido por Wolney Oliveira é dedicado à exploração de uma farsa, incluindo crimes de guerra cometidos entre compatriotas em nome de uma certa imagem de patriotismo, nesse sentido é semelhante aos recentes soldados do Araguaia, que também demonstraram a exploração de nossos homens pelo governo, sob o pretexto de guerra, soldados de borracha só encontraram doenças , alimentos raros, animais selvagens, trabalho escravo, morreram 60% deles, mas a história esqueceu homens que não estavam no chão e em combate – pelo menos não no chão de fato, mas em outra guerra simbólica. Numa época em que o Brasil apaga e nega suas falhas históricas, dirigindo-se a esses anciãos, ouvindo suas próprias vozes, a humilhação sofrida tem inegável valor como documento.

  • Curiosamente Soldados da Borracha oferece um discurso típico dos filmes de denúncia.
  • Mas sem o tom de denúncia.
  • Os homens e mulheres entrevistados relatam suas experiências como histórias de um passado distante.
  • Desprovidos de raiva ou indignação.
  • Ou o soldado está furioso.
  • Mas em geral.
  • Essas pessoas não esperam mais nenhuma mudança na versão histórica dos fatos.
  • Contando os abusos do governo com espantosa plaidez.
  • Como se fossem de alguma forma inevitáveis ou recorrentes.
  • Além de expor (de) a humanidade em tempos de guerra.
  • O documentário também destaca.
  • No fundo.
  • O destino de uma população vulnerável que nem sequer é representada por qualquer forma de política.

A placididade da narrativa é reforçada pela estética contemplativa, atípica para um projeto de natureza política, a explicação histórica é feita de forma didática, como diz fatos conhecidos por todos, entrevistas são desenvolvidas sob luzes superexpostas, cores ligeiramente elaboradas e uma textura ultra-limpa da tecnologia digital, dando ao todo uma certa aparência de neutralidade, impessoalidade. A indignação nunca é transmitida à estética, pois a encenação se comporta como um bom interlocutor, ouvindo histórias sem forçar contradições ou lembrar de traumas. poucos documentos, o discurso é baseado em evidências de reincidência: depois de três ou quatro soldados terem relatado as doenças e as más condições de higiene que enfrentaram, pensamos que o que realmente aconteceu, a repetição se torna uma ferramenta para construir a verdade, mesmo que ela defina o ritmo. um pouco lento.

Nos últimos quinze minutos, Soldados da Borracha ganha força impressionante, depois de uma grande maioria, majoritariamente descritiva e verbal, o filme finalmente estabelece uma ponte direta com o presente, quando passa a discutir a batalha judicial para indenizar os poucos sobreviventes dos soldados da borracha. Nesse momento, o documentário apresenta embates reais entre ideias opostas, no caso a tese que defende um remédio simbólico e rápido contra a tese de que seria melhor continuar lutando por uma compensação substancial ou mesmo póstuma. As imagens tornam-se contundentes, revelando contradições e falhas de raciocínio. Nesse segmento, o filme assume uma complexidade ímpar, o que, ironicamente, serve para tornar as imagens acima ainda mais plácidas em sua convencional agência de depoimentos e arquivos.

Ainda assim, o resultado mostra um humanismo notável, mostrando a proximidade que o cineasta demonstra com as gerações mais velhas (algo que também é visto em Os Últimos Cangaceiros) e a preocupação em descrever essas pessoas por suas roupas, sua dieta, seus hábitos diários. O diretor está ansioso para conhecer esses homens, dar voz aos assuntos invisíveis da história, sem ficar acima dos personagens. Embora humilde, a abordagem destaca essa fachada de patriotismo que ressurge de tempos em tempos em democracias frágeis para justificar atrocidades em nome de supostamente maiores.

Filme visto na 24ª edição do It’s All True – Festival Internacional de Documentários, em abril de 2019.

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